De Povos Indígenas no Brasil
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“Por isso que nós mulheres estamos lutando. Quando eu tô em cima da terra, eu luto!”

Teresa Herewy Krikati


Teresa Herewy Krikati, durante a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília (DF), em 2019. Foto: Mariana Spagnuolo Furtado/ISA, 2019.Teresa Herewy Krikati, durante a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, realizada em Brasília (DF), em 2019. Foto: Mariana Spagnuolo Furtado/ISA, 2019.


Meu nome é Teresa Herewy Krikati e meu povo é Krikati mesmo. Tudo nós somos Krikati e nós somos do Maranhão. E, na verdade, na aldeia São José no Maranhão nós sofre, como ela falou agorinha, nós mora no meio dos brancos. Kuben é branco. Como é que eu vivo na minha terra e parece que tô em São Paulo, no Rio, com medo de bandido? Lá nós sofremos. Não deixa, o fazendeiro, nós pescarmos. Não deixa as crianças andar, brincar. Nós tem uma terra e eles fazem isso com nós. E governo tem que ver isso. Tira esses povo, desocupa o lugar para nós.


A terra já está demarcada?

Já foi demarcada, tá esperando o quê? Meu tio, meu avô, lutaram, ai sou como bisneto sofrendo? E meus filhos, meus netos sofrem? Arriscando a vida na própria aldeia, na própria Terra! Tem que ver isso, o povo, o presidente tem que ver isso. Tem que ver e tirar esse povo. Ele ta vivendo... Nós não estamos vivendo bem. Será que o tempo são cheio? Pra ele... Eu sei que ele vai chorar. Eu sei. Pedi muito apoio pra nós. Nós ajudamos, por que não ajuda os povos indígenas? Aquelas pessoa que sofrem? Isso que eu sinto. Eu sinto muito.

E como você acha que a mulher é importante nessa luta pela terra? O que as mulheres fazem na luta pela terra?

A luta, ela tem que ir. A mais velha está lutando. Na aldeia não são só os homens. Nós sofremos de fome, sede. Como eu falei agorinha, eu quero que meu filho, meu neto andem em paz. Muito tempo pra cá que meu avô veio lutando, arriscando a vida, e deixou. E estamos no mesmo estado. Por isso que nós mulheres estamos lutando. Quando eu estou em cima da terra, eu luto. Sempre isso eu digo. Eles botaram pajé, pajé vai lutar em cima da terra, tem que lutar pelo direito da comunidade. Os filhos, pros netos. Isso que eu falo. Nunca que eu vou mudar. Porque eu tô em cima da terra e eu tenho que lutar, pra deixar bem limpo pros meus filhos. Porque quem sabe depois de amanhã eu mudo minha vida?

Eu sou como as mulheres pajé, também igual os homens, piscando. Por isso que sempre falamos, nós temos que lutar para deixar em um prato limpo. Porque nós somos todos um povo só, nós somos um sangue só. Não tem nenhum sangue preto, vermelho, não! Somos vermelho, só. Isso que eu falo pra ele. Sempre que eu falo isso pros meus primos. Principalmente meus primos, minha irmã, mora no meio dos brancos. Parece que eles moram no quintal, igual em São Paulo. Eu nunca fui mas eu vejo na televisão que fazem um quintal pequeno. E nós temos quintal, eles têm que retirar só os donos que ficam no quintal. Só dono que vive lá. Não os outros. Quando vamos pro banho, arriscamos a vida. Nós vamos caçar nosso alimento dentro do mato, arriscando também. Pescado. Mas eles não. Os brancos vai calar tudo, com tratorzão, fazendo tudo desmatamento. Ele não impede. Eles plantam soja demais. Eles plantam não sei nem quantos alqueires de milho. Sempre os brancos usam o remédio e chove e cai na água. E nós nos arriscando bebendo. Principalmente, nem sei nem qual o tipo de veneno que eles usam pra essa soja, pro milho, eucalipto. Não sei nem qual o tipo de veneno que eles usam! Aí nós, os filhos, quem sabe vai beber. Ele nunca me pediu não. Não, você não pode fazer desmatamento na terra do índio, não. Do Krikatí, não. Se tu vai ver um dia, parece que... não sei nem quantos alqueires... não vai ver fim não. Só com avião que tu vai.

E por que que o território é tão importante assim pra vocês? A Marcha tem esse lema que relaciona com o corpo e com o espírito, né!? Como que isso se relaciona pra vocês?

Pra mim... como que eu falo? Nós usa medicina mesmo de dentro, porque principal, tá acabando. O que nós usa tá acabando. Eles acabaram com madeira, com caça, com peixe, com pati para fazer flecha, imbé. Tudo acabou, só tá o chão. E não tem nem caça. Alguém vai caçar, não vai matar mais nem caça, que nós come não tem. A partir de hoje, veja lá dentro, eles comem até jacaré. Era só índio que come jacaré, preguiça, mambira. Mas agora os branco come tudo. Acaba que está fazendo desmatamento. Nós fala, que nós temos direito que governo deu. Que direito é esse que governo deu? Que nós, que meu bisavô lutou, deixou, acabar que desandou. Que tem direito também, mas não pode. Ele ta acabando com tudo. Eu não tenho milhões para fazer esse desmatamento, para fazer o meu plantio, não. Índio nunca fez um alqueire, porque não tem dinheiro, não tem recurso pra fazer isso. Mas branco tem, por isso que ele faz. Só fazendeiro tá acabando com nossa alimentação, nossa medicina lá dentro. Porque nós usa ainda medicina do mato. Se serve da medicina do branco? Serve. Mas pra índio, tem. Nós usamos todas as duas. Porque o que meu pai, minha mãe me ensinou é esse remédio caseiro, pra eu ensinar pro meu filho como eu falei, quando eu to ainda em cima da terra. E ela que é a mais velha, ela sabe que tem as coisas. Por isso que nós estamos pedindo essa ajuda. É isso que eu falo.


A entrevista acima foi registrada em 2019, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF), por Selma Gomes, Beatriz Murer, Daniele Leal, Mariana Furtado e Silvia Futada.