De Povos Indígenas no Brasil

"Os lugares sagrados são uma parte nossa"

por Maximiliano Garcia Makuna, publicado originalmente no livro Povos Indígenas no Brasil 2006-2010 (ISA)

O mundo vê os recursos naturais como uma fonte de dinheiro, isso é o que sofremos hoje em dia. Não é simplesmente uma mudança climática, são mudanças de pensamento. Os lugares sagrados são uma parte nossa, enquanto que o mundo vê esses locais como fonte de recursos monetários para retirar ouro, madeira. Por isso o câmbio climático é brusco, se não temos nossos lugares sagrados não há vida, pois é lá que tem ar, alimento, cura. Hoje em dia começa a chover quando não é pra chover, faz calor fora de época, isso é o que causa pobreza porque falta alimento, quando tem muita seca e muita cheia, não tem safra, não tem lugares pra caçar ou pescar. A natureza se regula por si só, não tem fertilidade na terra se chove muito.

Alguns antigos eram especialistas em manejar essas coisas no mundo espiritual. Todos sabiam de tudo, mas nem todos manejavam o mesmo, senão teria conflitos de conhecedores. Eles eram muito respeitosos com isso. Eles tinham um sistema de comunicação direta à longa distância. Circulação de energias para que tudo possa se mover... E quem diria como tudo isso funciona seriam os pajés: coisas que se pode fazer, coisas que não se pode fazer. Para os índios, tudo tem vida. Uma pedra: por que tem vida, se não come e não respira? Sim, tem vida, por isso existem os petróglifos. Eles não caminham, comem, respiram, mas espiritualmente são lugares que se encarregam de dar o ar que a gente respira... Então o manejo do mundo estava centrado nessas coisas. Que tudo isso estivesse bem, que peixes se reproduzissem, fartas frutas no devido tempo, verão no devido tempo. Espiritualmente, havia permanente comunicação entre sabedores dos diferentes grupos, permanente interação no mundo. Eles sabiam muito bem as mudanças do calendário: eles, entre eles, conhecedores... Eles tinham internet espiritual, um sistema de comunicação direta à longa distância. Tinham, não escreviam... Não precisava de tanta maquinaria para mover esses recursos... Fazia com que o manejo se desse por meio da atitude do homem. E quem diria como tudo isso funciona seriam os pajés.

Há coisas que se pode fazer, e coisas que não se pode fazer. O mundo se maneja vendo, vivendo, fazendo. Quando muda o equilíbrio no manejo espiritual do mundo, a história muda totalmente. Agora com tristeza temos que assumir essa realidade em que vivemos. O lugar dos brancos na origem era longe, porque, como cachorros, não se controlam, comem demais. Na origem, os brancos foram postos fora desse círculo de manejo por sua avidez e descontrole. Os brancos vão comendo do que vão encontrando. Agora alguns são aliados no interesse de salvar o planeta...

Mudanças no clima e no pensamento

por Nelson Ortiz e Aloisio Cabalzar, biólogo da Fundación Gaia Amazonas e antropólogo do Programa Rio Negro do ISA, respectivamente

Maximiliano García Rodrigues é um líder indígena makuna (ide-masa, gente-água), de uma linhagem dos que vivem em malocas. É oriundo do Pirá-Paraná, rio localizado no Gran Resguardo del Vaupes, Departamento del Vaupes, Amazônia colombiana, não muito distante na fronteira com o Brasil. Vive no igarapé Toaka, afluente do baixo Pirá-Paraná.

Atualmente é coordenador pedagógico da Asociación de Capitanes y Autoridades Indígenas del Pira Paraná (Acaipi), atuando na implementação, execução e desenvolvimento do projeto de educação diferenciada que a Acaipi administra de maneira autônoma em seu território.

É um dos autores do livro “Etnografia Makuna”, publicado em 2004. Outra fala sua, de 2009, foi publicada em “Manejo do Mundo” (ISA/Foirn, 2010). Esse depoimento foi compilado a partir de sua participação no seminário Manejo do Mundo, que ocorreu em São Gabriel da Cachoeira, em abril de 2010. Ele explicita a relação vital entre pessoas e lugares, que torna a ambos sagrados, indispensáveis uns aos outros. Comenta também a importância que conhecedores indígenas, aqueles preparados para tanto, têm no equilíbrio das estações e bem-estar de todos, e como manejam o mundo em conjunto, conectados.

São princípios do pensamento desses povos Tukano Orientais do noroeste amazônico. Ele lamenta ainda o contraste com a avidez própria das sociedades mercantilistas ocidentais.