Caos e retrocesso
Texto originalmente publicado como parte da reportagem especial sobre saúde indígena produzida pelo ISA em junho de 2006.
A partir de 2005 houve uma explosão nos protestos de diferentes etnias em todo o Brasil, revelando situações de abandono e descaso no atendimento das populações indígenas. Greves se sucederam nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) interrompendo o atendimento das populações e permitindo que doenças antes controladas retornassem com força de epidemia. A desnutrição infantil vitima um número crescente de crianças.
A dificuldade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em gerir o sistema chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF). No começo de 2006, o MPF criou um grupo de trabalho para investigar problemas com os convênios firmados com as organizações que realizam o atendimento local e averiguar também a excessiva burocracia da Funasa – que estaria por trás dos recorrentes atrasos nos repasses de recursos e deixaria as aldeias sem médicos ou medicamentos.
Entre os mais de 235 povos indígenas com direito ao serviço de saúde, alguns casos se tornaram emblemáticos e marcaram regularmente o noticiário: as mortes por desnutrição das crianças Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, a volta da epidemia de malária entre os Yanomami de Roraima e Amazonas, o alto índice de vítimas fatais causados por acidentes ofídicos no Alto Rio Negro, o falecimento de dezenas de crianças Apinajé no Tocantins e Marubo do Vale do Javari, no Amazonas. Nem o Parque Indígena do Xingu, espécie de cartão-postal da política indigenista oficial e que conta há 40 anos com a presença de médicos da Universidade Federal de São Paulo, se vê livre de sérios problemas: atualmente uma epidemia de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) avança sobre a população xinguana, causando, como mais grave conseqüência, a morte de mulheres por câncer de colo de útero.
A incidência de doenças como a malária, a tuberculose e DSTs tem avançado sobre povos indígenas de diferentes regiões do país, o que revela a decadência do atendimento e o sucateamento da infra-estrutura de saúde. As lideranças indígenas reclamam da falta de microscópios e lâminas, medicamentos, meios de transporte e combustível nos postos de atendimento no interior das Terras Indígenas. Também afirmam que a formação de agentes indígenas de saúde caminha em ritmo lento, e que a capacitação dos servidores não-índios permanece insatisfatória. Nesse cenário, as iniciativas promissoras de educação para a saúde foram canceladas, a instabilidade no repasse de verbas tornou-se constante e as ações das equipes de saúde, insustentáveis.
Os problemas relacionados à gestão desses recursos e às atribuições das conveniadas estão no centro da situação calamitosa denunciada pelos índios. Mesmo com a destinação de milhões de reais repassados aos 34 DSEIs anualmente, a morosidade e a burocratização no repasse dos recursos federais às entidades conveniadas causam constantes atrasos no pagamento de salários e na quitação de dívidas com os fornecedores. A centralização da compra de medicamentos e a contratação de horas de vôo pela Funasa revelaram-se ineficientes, consumindo os recursos públicos enquanto a situação sanitária nas áreas indígenas piora.