Hupda
- Autodenominação
- Hupd'äh
- Onde estão Quantos são
- AM 1000 (Patricia, 2012)
- Colombia 500 (Patricia, 2012)
- Família linguística
- Naduhup
Já se tornou moeda corrente entre os regionais e na literatura etnográfica sobre o Noroeste Amazônico a distinção entre os chamados "índios do rio", de fala Tukano e Arawak, e os "índios do mato", de fala Maku.
Enquanto os primeiros são agricultores que fixam suas aldeias nas margens dos rios navegáveis, os Maku vagam nos divisores de água, estabelecendo-se temporariamente onde encontram condições ecológicas favoráveis à caça e adequadas ao modo como eles costumam resolver seus conflitos internos: "quando a gente se desentende, a gente se espalha no mato e fica lá até a raiva passar."
Outras leituras
Para saber mai acesse o verbete especial sobre a região Etnias do Rio Negro
Nome
Não há uma autodenominação adotada pelo conjunto dos Maku. Na verdade, eles se dividem em seis grupos distintos, cada qual com seu próprio território, língua e autodenominação:
Autodenominação | Outros nomes | Localização [leia-se "entre os rios..."] |
Nukak | Maku | Guaviare e Inírida, na Colômbia |
Bara, Kakwa | Maku, Pohsá, Boroa, Wirapoyá | Uaupés e Papuri, na Colômbia |
Hupda | Maku, Pohsá, Peoná, Wirapoyá | Papuri e Tiquiê, no Brasil e Colômbia |
Yuhupdeh | Maku, Pohsá, Peoná, Wirapoyá | Tiquiê e Traíra, no Brasil e Colômbia |
Däw | Maku, Kamã | Curicuriari e Negro, no Brasil |
Nadöb, Kabori | Maku, Guariba Tapuya, Xiruai | Negro e Japurá, no Brasil |
N.B.: Dentre as autodenominações alternativas, preferimos as que estão em negrito.
Com exceção dos Bara, que usam mais o termo bara ("irara") do que o termo kakwa ("gente") como autodenominação, e também dos Kabori, um subgrupo Nadub que se autodenomina kabori ("meninos"), todos os outros Maku usam o termo "gente" nas respectivas línguas como autodenominação. O termo maku, de origem Arawak, significa ora "servo", ora "selvagem", sendo rejeitado pelo conjunto dos Maku em conseqüência da óbvia conotação pejorativa. Mantemos aqui o termo maku porque se consagrou na literatura etnográfica e porque não há outro que designe o conjunto desses índios. Quanto aos outros nomes, boroa e pohsá significam "servos" nas línguas Dahséa e Cubeo, respectivamente, ambas da família Tukano.
O termo peoná, também de origem Tukano, significa "donos dos caminhos", alusão ao fato de que os Maku não viajam de canoa, como todos os outros índios da região, mas a pé, pelos caminhos. O termo wirapoyá, empregado pelos Desana (sub-grupo Tukano) para designar os Maku de sua vizinhança, significa "Desana estragado". Ignoramos a origem do termo kamã, cuja conotação também é pejorativa. O termo guariba é aplicado pelos regionais aos Nadub, em alusão à crença de que eles teriam parentesco com o macaco homônimo. O termo xiruai, "cunhado" em nheengatu, é a forma amistosa pela qual os mesmos regionais se referem aos Nadub. Devido à influência do movimento indígena na região do rio Negro a partir de meados dos anos 1980, os nomes pejorativos (boroa, pohsá, wirapoyá, kamã, guariba e mesmo maku) estão caindo em desuso, mas até agora não surgiu um nome genérico e neutro.
Língua
As seis línguas Maku são aparentadas entre si, formando o que se pode chamar de família lingüística Maku. Até onde se sabe, essa família nada tem a ver com as famílias Tukano ou Aruak, se excetuarmos alguns evidentes e poucos empréstimos.
Praticamente todos os Maku são falantes de suas línguas. Devido à proximidade dos Tukano, os Maku da área do Uaupés (Bara, Hupda e Yuhupde) falam línguas Tukano, dando curso ao multi-lingüismo característico da região. Por outro lado, os Tukano têm sido uma espécie de barreira aculturativa para os Maku do Uaupés, pois atuam como intermediários no contato com os brancos, de modo que apenas cerca de 20% desses Maku sabem se expressar em português ou espanhol. Os Nukak, de contato muito recente (1988), pouco falam o espanhol ou qualquer outra língua que não a deles. Quanto aos Dow e Nadöb, de contato antigo (século XVIII) e sem a "barreira Tukano" na vizinhança, a grande maioria se expressa bem em português e nheengatu (língua geral ou tupi amazônico, falado majoritariamente pela população ribeirinha do médio e baixo Rio Negro, descendente dos Baré, que vem se proclamando índia à medida em que avança na região o movimento indígena).
As línguas Maku têm sido estudadas em graus diversos. Bara (Kakwa), Hupda, Yuhupde e Nadöb mereceram estudos preliminares efetuados por missionários do SIL, assim como o Dow, por parte dos missionários da ALEM. No entanto, nenhum desses estudos resultou em instrumentos eficazes para o desenvolvimento da educação bilíngüe, uma demanda cada vez mais colocada pelos Maku, em justa reação à hegemonia da língua Dahséa (Tukano) nas escolas locais, mantidas pelo município e coordenadas pelos missionários católicos salesianos.
Localização
Os Maku se distribuem numa área limitada a noroeste pelo rio Guaviare (um dos afluentes colombianos do Orinoco), ao norte pelo rio Negro, ao sul pelo rio Japurá e a sudeste pelo rio Uneiuxi (um dos afluentes brasileiros do Negro). Este losango soma um total aproximativo de 20 milhões de hectares. Evidentemente, nem todo ele é ocupado pelos índios. A alta dispersão espacial dos seis grupos lingüísticos Maku dentro desse vasto perímetro se deve à dominância de enormes áreas de caatinga ou campinarana, um tipo de floresta não ribeirinha, de solo extremamente pobre, pouca variabilidade vegetal e baixa concentração de animais de caça. Os Maku ocupam justamente as "manchas" de floresta de terra firme, onde a caça é mais abundante e a vegetação mais rica em espécies utilizáveis na alimentação ou na confecção de artefatos.
A ocupação humana da área em tempos pré-colombianos se deu provavelmente em duas vagas: primeiro, os Maku se estabeleceram nas zonas interfluviais, nas "manchas" de terra firme; a seguir vieram os Arawak e os Tukano, estabelecendo-se nas barrancas altas dos rios, em meio ao igapó (terreno ribeirinho baixo, periodicamente inundável durante as cheias, de abril a setembro). O contato já bastante antigo entre esses povos de origem e línguas diversas, cada qual ocupando faixas ecologicamente distintas, resultou num complexo sistema de trocas comerciais e simbólicas, de que trataremos adiante.
No lado brasileiro, recentemente foram homologadas cinco terras indígenas: Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, Médio Rio Negro II, Rio Téa e Rio Apapóris, somando um total 10,6 milhões de hectares de terras contínuas e contíguas. Os grupos Maku brasileiros, isto é, os Hupda, Yuhupde, Dow e Nadöb, distribuem-se nos terrenos interfluviais de todas essas áreas, com exceção do Médio Rio Negro II. As descrições que se seguem dizem respeito sobretudo aos Maku do Uaupés (Bara, Hupda e Yuhupde) e se baseiam nas etnografias de Silverwood-Cope (1990), Reid (1979) e Pozzobon (1984, 1992). Sobre os Maku do Uneiuxi e do Paraná Boá-Boá, veja-se Schultz (1959), Münzel (1969) e Pozzobon (1998).
Demografia
Os cerca de três mil Maku se distribuem num vasto território binacional, de modo que é bastante difícil estimar os parâmetros demográficos da população como um todo. Devido ao caráter interfluvial de seu habitat, pouco acessível às frentes pioneiras, aos missionários ou aos pesquisadores, as estimativas anteriores, que variam de 2 a 2,5 mil, são muito precárias e pouco confiáveis, de modo que não servem para se estimar a dinâmica populacional. Os estudos ainda em curso das variáveis demográficas em um determinado grupo Maku, os Hupdu, permitem afirmar provisoriamente que se trata de uma população estável, que não tem aumentado nem diminuído significativamente nos últimos decênios (Pozzobon, 1998). Por outro lado, eventuais trocas matrimoniais com grupos circunvizinhos são numericamente inexpressivas, devido ao baixo status dos Maku no sistema intertribal da região.
Autodenominação | População | Ano | Fonte |
Nukak | 378 | 1995 | Franky et al. (1995) |
Bara, Kakwa | 300 | 1969 | Silverwood-Cope (1990) |
Hupda | 1500 | 1997 | Pozzobon (1997b) |
Yuhupde | 370 | 1997 | Pozzobon (1997c) |
Dow | 78 | 1994 | Oliveira, Meira and Pozzobon (1994) |
Nadöb, Kabori | cerca de 600 | 1995 | ISA (1996) |
Total | cerca de 3226 |
Histórico do contato
A pobreza da campinarana dominante, somada ao caráter encachoeirado dos rios, foi um dos obstáculos à expansão das frentes pioneiras portuguesas e espanholas, que disputavam a região já no século XVII, estabelecendo destacamentos militares em alguns pontos do rio Negro, de onde os nativos apresados eram "descidos" para os centros urbanos emergentes (Barcelos, Manaus e Belém).
A partir do século XVIII, intensificam-se os "descimentos", de modo que mesmo os Maku, em seus recônditos territórios interfluviais, tiveram alguns de seus efetivos apresados como escravos. Mas a análise dos documentos coloniais permite afirmar que dentre os indígenas da região eles foram os menos atingidos pelos "descimentos" ou pelas violências decorrentes do ciclo da borracha, ao final do século seguinte. O ciclo da borracha, aliás, foi possivelmente um dos motivos da adoção de práticas agrícolas pelos Maku: refugiando-se nos terrenos interfluviais para escapar ao apresamento praticado pelos seringueiros, os Tukano passaram a conviver mais intensamente com os Maku, ensinando-lhes a agricultura da mandioca, bem como uma série de itens da cultura material e espiritual de que trataremos adiante.
Em 1914, em pleno período de estagnação econômica decorrente da débacle da borracha, entram em cena os missionários salesianos, uma ordem católica voltada para a educação. Eles obtiveram a adesão de todos os índios ribeirinhos do lado brasileiro, porém encontraram muita resistência por parte dos Maku, que se recusavam a enviar suas crianças aos internatos nos centros missionários. Nos anos 1970, os salesianos tentaram algumas experiências de povoados-missão exclusivamente Maku (ver adiante). O garimpo aurífero - que se desenvolveu na região entre meados da década de 1980 e o início dos anos 1990, época em que o movimento indígena conseguiu expulsar os invasores com o apoio do Ministério Público e a força da Polícia Federal - pouco afetou os Maku, pois era praticado no mais das vezes em terreno ribeirinho. O único garimpo de terra firme, no extremo sul da TI Alto Rio Negro, foi abandonado já em 1986 pela empresa mineradora Paranapanema, em função da baixa produtividade; com a intensificação do movimento indígena no início dos anos 1990, o ouro passou a ser explorado exclusivamente pelos índios.
Organização social
As aldeias Maku tradicionais variam entre 25 e 30 habitantes - cerca de seis grupos domésticos. O grupo doméstico Maku se compõe de marido, esposa ou esposas, filhos solteiros e eventuais agregados, que podem ser parentes próximos, viúvos ou solteiros, do marido ou da esposa ou esposas. Em geral, cada grupo doméstico possui sua própria fogueira, em torno da qual seus membros se reúnem para dormir e comer. Quanto às casas, resumem-se a tapiris sem paredes, podendo abrigar de um a quatro grupos domésticos (fogueiras), ligados por laços próximos de parentesco, que podem ser tanto patri quanto matrilaterais. Uma aldeia de 25 habitantes costuma ter cerca de três casas. Estas se situam numa clareira, no cimo de uma colina, perto de algum igarapé não navegável. As roças se distribuem em torno das casas ou em clareiras próximas (de 5 a 60 minutos de caminhada), que vêm a ser antigos locais de aldeia. Cada grupo doméstico possui em média duas roças de 50 x 50 m, sempre em clareiras comunais.
Um aglomerado de aldeias próximas, distando entre si de uma hora a um dia de caminhada, forma um grupo regional. Via de regra, os grupos regionais falam cada qual um dialeto distinto da mesma língua. Assim, cada grupo lingüístico Maku se divide no mínimo em dois grupos regionais/dialetais. Os Hupdu, por exemplo, possuem três grupos regionais (três dialetos), separados entre si por cursos de água navegáveis, cujas margens são ocupadas por "índios do rio". Os membros adultos do mesmo grupo regional/dialetal se conhecem todos pelo nome, assim como pelas relações de parentesco que os unem. Já o conhecimento que possuem dos falantes de dialetos vizinhos, com quem não têm relações genealógicas demonstráveis, é bastante precário. Em outras palavras, o grupo regional/dialetal é um nexo fortemente endogâmico. A taxa média de casamentos endogâmicos - entre pessoas nascidas no mesmo grupo regional - é de 80%. O tamanho médio do grupo regional na área do Uaupés brasileiro é de 260 pessoas - cerca de 10 aldeias vizinhas.
O território do grupo regional/dialetal resulta da justaposição de vários territórios contíguos de caça, cada qual em torno de uma aldeia. Com efeito, os homens de uma aldeia de 25 a 30 habitantes costumam caçar num raio de 7 a 10 km em torno da aldeia. A partir dela, irradia-se uma série de caminhos, alguns ligando aldeias Maku entre si, outros conduzindo a aldeias ribeirinhas, outros ainda levando aos acampamentos de caça. Cada aldeia possui em média 8 acampamentos de caça no raio de 7 a 10 km de seu entorno. Quando a aldeia ultrapassa a marca dos 30 ou 40 habitantes, ela se cinde em duas ou mais aldeias, pois numa aldeia grande, os caçadores são obrigados a se afastar mais que 10 km para encontrar caça suficiente. A longa permanência de uma aldeia num determinado lugar (cerca de cinco anos) é também motivo de mudança, para deslocar o raio de atuação dos caçadores, explorando, assim, novos territórios de caça.
Cotidiano de uma aldeia Maku
As mulheres se levantam quando começa a clarear o dia, tomam banho e preparam o dejejum comunal dos homens, que ocorre no mais das vezes na casa do líder da aldeia. Após a refeição, os homens partem solitários, aos pares ou em grupos maiores, dependendo dos rastros vistos no dia anterior (porcos do mato, por exemplo, são boas presas para caçadas coletivas). Depois deles partirem, as mulheres comem junto com as crianças e logo vão às roças, colher mandioca e replantar. Elas voltam perto do meio dia e preparam farinha, mingaus e beijus. Por volta das três da tarde, os homens retornam com suas presas e as entregam às esposas. Cada uma cozinha em sua própria fogueira, mas a refeição que se segue é comunal, na casa do líder, os homens comendo primeiro, sendo logo seguidos pelas mulheres e crianças. Depois disto, as três ou quatro refeições que se seguem até a hora de dormir (cerca das 21 horas) assumem um caráter cada vez mais doméstico e individual. No cotidiano, as atividades masculinas têm um ritmo frouxo, interrompido várias vezes por longos períodos de espreguiçamento nas redes, enquanto as mulheres trabalham duro nas roças, no preparo das refeições e na coleta de lenha.
As mulheres, porém, não deixam de reclamar da preguiça dos homens. Estes, por seu turno, às vezes brigam entre si, acusando-se mutuamente de avareza, por não distribuírem generosamente os magros resultados das caçadas cotidianas. Quando a situação atinge o paroxismo, os grupos domésticos se separam em vários acampamentos de caça, cuja ocupação varia de dois ou três dias até um mês (somando-se todas as estadias de um grupo doméstico nos acampamentos durante o ano, têm-se uma média de quatro meses por grupo doméstico por ano). Aí invertem-se os papéis: enquanto os homens passam até doze horas caçando ininterruptamente, as mulheres se espreguiçam nas redes. E todos comem juntos, caçadores, esposas e filhos.
Em poucos dias nos acampamentos, os homens terão caçado muito mais do que seus grupos domésticos são capazes de consumir. Sendo assim, eles podem decidir voltar à aldeia de origem, para uma festa, que ameniza antigas rusgas ou provoca novas. Ou podem decidir trocar o excedente em caça por farinha de mandioca, ipadu (folha de coca macerada) ou beijus, fornecidos pelos índios ribeirinhos. Neste caso, alguns grupos domésticos podem decidir ficar algum tempo (de alguns dias a um mês) na aldeia ribeirinha, trabalhando nas roças e na feitura de novas casas.
A relação entre os Maku do Uaupés e seus vizinhos ribeirinhos, de fala Tukano, é bastante hierarquizada: os primeiros são tidos como "escravos" dos últimos. Porém, isto é muito mais uma ideologia étnica do que uma prática social efetiva. Os Maku são livres para ir e vir, estabelecendo (ou rompendo) relações de "escravidão" com várias aldeias ribeirinhas ao mesmo tempo. Por outro lado, as roças Maku, em geral 80% menos produtivas que as roças ribeirinhas e incapazes de satisfazer a demanda dos próprios Maku, são poupadas. Na verdade, os Maku aceitam ser "escravos" devido às evidentes vantagens que isso lhes traz: eles têm acesso aos produtos cultivados sem terem de arcar com as conseqüências da sedentarização necessária a uma produtividade agrícola semelhante à dos Tukano (cerca de dez toneladas de tubérculos por grupo doméstico por ano, ao passo que a dos Maku não chega a três toneladas).
Organização política
A mobilidade é muito importante para os Maku, dado que seu meio habitual de resolver conflitos é a dispersão no espaço. Não há líderes ou conselhos "tribais" que arbitrem os desentendimentos, aliás freqüentes, entre os habitantes de uma aldeia. O líder da aldeia não passa de um anfitrião e de um coordenador das caçadas coletivas. Trata-se em geral de um homem de meia idade, ainda forte para caçar e com muita experiência no assunto, em torno do qual se reúnem cinco ou seis grupos domésticos cujos cabeças são seus filhos ou seus genros. Ele não tem autoridade para julgar quem está certo e quem está errado numa briga. O líder que tenta fazê-lo não está livre de apanhar durante a briga ou de assistir à deserção irrevogável de expressiva parte de seus filhos ou genros. Assim, a dispersão espacial temporária é a única forma de evitar a fissão definitiva da aldeia por ocasião de algum conflito. Mas, dependendo da gravidade, a fissão pode ser inevitável: alguns grupos domésticos não voltam mais para a aldeia de origem, estabelecendo-se em aldeias vizinhas, onde têm parentes próximos, ou fundando nova aldeia.
Os grupos locais (aldeias) Maku mostram uma composição bilateral: moram juntos tanto os filhos quanto os genros do líder. O fundamento básico da amizade masculina é a relação entre cunhados, isto é, homens que trocaram irmãs. Porém, o termo "irmãs" deve ser entendido em sentido amplo. O vocabulário de parentesco é de tipo dravidiano: funda-se sobre a bipartição dos primos em proibidos para o casamento (primos paralelos, isto é, filhos de irmãos de mesmo sexo), e preferenciais para o casamento (primos cruzados, isto é, filhos de irmãos de sexos opostos). Entre os Maku, o vocabulário dravidiano está associado a um sistema de clãs patrilineares exogâmicos. Há consistência entre o vocabulário e a classificação dos clãs: assim como os primos são bipartidos em "irmãos" (os paralelos) e "cunhados" (os cruzados), os clãs são classificados em clãs "irmãos" e clãs "cunhados", de modo que o universo dos parentes é bipartido, tanto do ponto de vista do vocabulário quanto do ponto de vista do sistema de clãs. Destarte, são amigos (co-residentes, companheiros de caçada) os homens que trocaram irmãs reais ou classificatórias entre si. Os grupos locais (aldeias) mais estáveis são os que mostram esta composição: um grupo composto de cunhados reunidos em torno de um homem de meia idade, sogro de alguns e pai de outros. Isto significa reunir no mesmo grupo local no mínimo dois clãs afins.
Não há facções, grupos etários corporativos ou conselhos de anciãos entre os Maku. Eles classificam as pessoas conforme três faixas etárias principais (em língua Hupdu): os dowdu (verdes = crianças), os wudndu (maduros = adultos) e os wuhudndu (secos = velhos). Os líderes de aldeia estão numa sub-classe intermediária entre os wudndu e os wuhudndu. Estes últimos, além de desempenharem quase que invariavelmente a função de xamãs, são também os nominadores. Para nominar uma criança, o velho empreende uma "viagem" (por meio de um alucinógeno do gênero banisteriopsis) até o mundo dos ancestrais. Lá chegando, ele consulta os mesmos sobre o nome da criança. Cada clã possui um repertório de nomes, de modo que o nome próprio já dá a identidade clânica da pessoa, assim como seu status matrimonial (se "irmão" ou se "cunhado") em relação aos demais.
Arte, cultura material e jogos
Em comparação com os vizinhos Tukano e Aruak, os Maku possuem uma cultura material rudimentar na origem: canoas, bancos rituais, potes de cerâmica, pintura corporal e flautas sagradas de iniciação masculina, entre outros, são itens copiados dos vizinhos. Os itens de origem Maku parecem ser o aturá (um cesto cargueiro bastante resistente) e a zarabatana. Esta, aliás, é instrumento de concorridos torneios de tiro ao alvo, principalmente entre os Nadöb. Outros jogos apreciados pelos Maku são a piorra assoviadora, feita de coquinho e haste de paxiúba, a caça ao pombo a pedradas e certas traquinagens com animais: um homem, espreguiçando-se na rede, mata tempo oferecendo um pedaço de beiju simultaneamente ao seu tucano de estimação e ao seu cão de caça, para ver a ave desferir dolorosas bicadas no focinho do rival; crianças se divertem amarrando tições flamejantes ao rabo de cachorros vadios, para vê-los em espavorida disparada, enquanto a aldeia inteira se dobra de rir. Acrescente-se a simples galhofa, inclusive comparações de pênis e vulvas, com abundantes metáforas desabonadoras, além dos comentários debochados, em coletiva voz de falsete, sobre antigos namoros alheios.
Cosmologia e mitologia
O universo Maku tem a forma de um ovo em pé, com três andares ou "mundos": (1) o "mundo das sombras", subterrâneo de onde vêm todos os "monstros", tais como os escorpiões, as onças, as cobras venenosas, os índios do rio e os brancos; (2) o "nosso mundo", isto é, a floresta e (3) o "mundo da luz", acima do céu, onde vivem os ancestrais e o criador - o Filho do Osso (possível alusão ao pênis, também chamado de osso). Luz e sombra são as duas substâncias básicas de que se compõem todos os seres, em proporções diversas. Luz é fonte de vida. Sombra é fonte de morte. No "nosso mundo", as folhas e as frutas são os seres que mais concentram luz, ao passo que os carnívoros são os que mais concentram sombra. Por isso, é melhor não comer carnívoros, mas tão somente herbívoros. No mundo da luz, após a morte, as pessoas se alimentam de deliciosos sucos de frutas e se tornam eternos adolescentes.
O principal ciclo mitológico dos Maku relata a epopéia do Filho do Osso - Idn Kamni em Bara, Kegn Teh em Hupda, Ku Teh em Yuhupde. Trata-se do sobrevivente de um incêndio que pôs fim à criação anterior, cujas tentativas de recriar o mundo resultam numa série de trapalhadas: por causa delas, existem as brigas, as doenças e a morte. Após ter sua mulher raptada pelo irmão caçula, o Filho do Osso se retira definitivamente deste mundo, indo morar no mundo da luz, acima do céu e dos trovões, que às vezes emite em expressão de desagravo. Coincidência ou não, na vida real os irmãos costumam brigar entre si, em disputa pelas mesmas mulheres, suas afins, conforme o sistema de clãs.
Ritual e xamanismo
Afora a nominação, dois outros rituais Maku utilizam alucinógenos do gênero banisteriopsis. Um deles é o ritual do jurupari, de origem ribeirinha, em que os meninos são iniciados na idade adulta. Neste rito, que consiste em representar teatralmente a chegada da anaconda ancestral aos trechos de rio atualmente ocupados pelos Tukano, os homens tocam as flautas sagradas, que não podem ser vistas pelas mulheres. O outro rito é a dança e o cântico do kaapi wayá, também de origem ribeirinha, em que o caminho serpenteante da anaconda é encenado, porém sem as flautas sagradas. Além destes, há o dabocuri, igualmente vindo dos índios do rio. É uma festa profana, divertida e alcoolizada. Entre os Maku, muitas vezes termina em verdadeiras batalhas campais, com safanões, pauladas e gritarias madrugadoras, cuja conseqüência, além de uma porção de hematomas, costuma ser a dispersão dos co-residentes em vários acampamentos de caça ou uma estratégica mudança de aldeia.
Em relação ao xamanismo, de modo geral, pode-se dizer que todos os velhos Maku são xamãs. Estes, porém, são de dois tipos:(bididu) e os homens-onça (nyaam hupdu). Os primeiros curam através de reza. Os últimos, através da extração do mal por meio de sucção. Freqüentemente, o mesmo indivíduo desempenha ambas as funções. Em qualquer dos casos, não inspira muito temor entre seus pares, sendo, antes, um dos alvos prediletos dos deboches. Mas por vezes pode ser acusado de malefícios e doenças, ocasião em que as pessoas que se julgam atingidas mudam de aldeia ou "ficam no mato até a raiva passar".
Nota sobre as fontes
O etnólogo Peter Silverwood-Cope foi quem inaugurou a pesquisa de campo intensiva sobre os Maku, mais especificamente sobre os Bara, permanecendo entre eles de 1968 a 1970. Sua tese de doutorado, recentemente publicada em português (Silverwood-Cope, 1990) aborda aspectos diversos da cultura Maku, tais como sua base ecológico-econômica, a organização sociopolítica, bem como as concepções mitológicas e cosmológicas.
Na década seguinte, Howard Reid (1979) enfocou a mobilidade, o ciclo de desenvolvimento do indivíduo e a mudança cultural entre os Hupda - sem no entanto descuidar dos aspectos etnográficos mais tradicionais, como a etnografia da caça e coleta, a estrutura de parentesco, os rituais e a mitologia.
A partir dos anos 1980, Pozzobon (1984, 1992) se dedicou ao estudo da organização social dos Maku, estabelecendo um modelo socioestrutural generalizável para os Bara, Hupda e Yuhupde, baseado nas relações entre a identidade étnica, a endogamia regional/dialetal e a demografia das unidades sociais significativas. Deve-se mencionar ainda os estudos de Athias (1995, 1998) sobre os Hupda sedentarizados em povoados-missão, enfocando diversos aspectos da ecologia, economia, organização social e cosmologia, sobretudo concepções ligadas à saúde e à doença.
Sobre os Nukak, veja-se os trabalhos de Franky Calvo, Cabrera Becerra e Mahecha (1995, 1999), bem como o de Politis (1996), dedicados a aspectos lingüísticos, à mobilidade espacial e à etnografia geral deste povo. Finalmente, sobre os Nadöb há os trabalhos de Schultz (1959), Münzel (1969) e Pozzobon (1998), que, embora não resultem de etnografias intensivas, fornecem informações importantes sobre essa fração pouco conhecida do povo Maku.
Fontes de informação
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- ATHIAS, Renato. Doenças e cura : sistema médico e representação entre os Hupde-Maku da região do Rio Negro, Amazonas. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre : UFRGS, v. 4, n. 9, 1998.
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